quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Se alimente-se

Esperei muito tempo para não me definhar completamente. O processo aconteceu por partes, por membros. Abocanhei toda a minha estabilidade, minhas bases e minhas dependências. Esperava que esse processo de antropofagia não me fosse sustentável, mas foi. Me alimentei-me. Acabei com a fome que sentia de mim mesmo, sofrendo aos poucos, definhando solenemente, aumentando o amor que sentia por mim mesmo. Pensei ser louco, ou egocêntrico, ou prepotente, mas me eram os três. Eu não era nenhum deles, então comi a maior parte deles em mim.
Alimentei-me da forma mais sustentável que consegui. Senti o mal cheiro, o sabor salgado, a textura dura, e aquele tempero de despreparo e ambição me fizeram calar.
As qualidades que imaginava possuir desceram com gosto amargo pela minha garganta, que falha, não conseguiu projetar som algum, em virtude do sabor do ego. Aqueles sabores que me eram agradáveis eram apenas projeções sensoriais das minhas atitudes morais e preceitos Genuínos. Ego nulo. Abstive-me de sentimentos falsos, agreguei conceitos aparentemente fictícios. Eu estava finalmente em processo de digestão.
As primeiras sensações de limpeza começaram como uma sobremesa, os sabores fortes e incômodos viriam com minhas crenças e despreparos. Alienado.
Despi-me imediatamente quando senti o sabor da hipocrisia e da futilidade, o que me consumiam em quantidade, de fora para dentro, pobres importâncias que me eram importantes, relevantes.
Visto por dentro me senti humano, como devemos ser, ou como devemos esconder o que somos, ou como deveríamos mostrar que não somos. Todos fazem um desses. Fiquei bestializado com a nossa virilidade, que se transcreve em ‘consumir o que agrada ao próximo e acreditar na superioridade de gênero’, que gênero? Visto por dentro é nada. Todos muito nada, ou um monte de coisa que consideramos menos que nada no nosso interior. Somos realmente pó. Pó e massa, infelizmente.
Senti-me pesado e enjoado conforme fui me alimentando, ninguém consegue segurar a porcaria dentro de si por muito tempo, principalmente a minha própria porcaria individual, que partilha com todos os mesmos efeitos e as mesmas propostas, um grande vaso de porcaria coletiva chamado de sociedade. A linguagem não tem mesmo uma simbologia lógica, deve ser isso.
Me digeri completamente e finalmente me desvencilhei do meu eu, fui filtrado, esperei que só restassem virtudes coletivas e aparência agradável... mas não foi isso que vi.
Depois de me limpar por dentro e saber o real gosto da minha individualidade, o que me aconteceu foi querer habitar qualquer outra singularidade, mas me valia essa de mesmo sabor.
E que me fossem sugeridos pelo menos cacos de personalidade, cacos de sentimentos verdadeiros. O que me restou foram cacos dos cacos que pensei ser, e que dessa maneira, na absoluta malícia, me tornei os cacos que não descobri que possuía. Sou uma merda completa. Um ego inexistente que persiste na insistente proposta de ser prepotente.

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