quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Carência

Ai, eu poderia me afastar de ti
Sorrindo, como se fosse uma idéia feliz
A ausência que sentiria de ti
E pensando em não mais pensar
Acabaria por te amar
E a distância que tanto queria
Só o amor iria atrapalhar.

Ai, eu conseguiria me desvencilhar
Da sua presença e do seu olhar
Mas se não vejo esses seus olhos claros
Que de tanto me iluminar
Fazia-me sonhar que sem você
Jamais poderia novamente acordar.

Ai, e eu desmonto as peças que transformei
Esses cacos, essas feridas, as frases que falei
Foram ditas para o acaso, e me calo
Pois sofro sozinho agora
Enquanto a amargura no meu peito aflora.

Ai, me perdoe pela insistência
É que não acho amigável sua ausência
E sei que não é certo essa dependência
Mas se queria me deixar assim, vago
Que me dissesse que minha presença
Era um mero descaso da sua inocência.  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O dia que senti o demônio – Parte 3

Vi-me deitado no chão, entre as duas fileiras de bancos que permaneciam vazios. Só existia eu ali, mas o conceito de existir já tinha tomado proporções inacabadas, eu conseguia sentir manifestações de todos os ângulos que meus olhos percorriam.
Estava olhando pra cima, de forma fixa, e a arquitetura do lugar era absurdamente linda. As estátuas pareciam ter vida própria e os olhos delas carregavam uma lucidez que dava pra saber que tudo que eu pensasse naquela atmosfera, seria analisado antes mesmo de qualquer ato. Sentia-me inválido e apavorado. No teto os vidros coloridos me mostravam que acima dali era escuridão plena. Mas não aquela escuridão negra do anoitecer, era um vácuo, eu sentia que era. Pavor.
Levantei-me e pude perceber a música que começava a soar, começando baixo e tocando cada ponto do meu corpo. Tentei focar no som e percebi que eram apenas suspiros e gemidos. Rondei a catedral procurando avistar o que estava acontecendo exatamente. E avistei. Ainda não me recuperei da visão.
A cortina do confessionário se abriu e minha mãe saiu de lá, com os quatro membros no chão, o pescoço erguido de forma absurda e as unhas cravadas no chão fazendo um barulho estridente. Minha reação foi inexplicável, tentei acordar mas meu corpo não me respondia, e minha mãe olhava para mim debochando da minha incapacidade. Ela começou a se debater de forma que seu corpo não tinha mais a forma de um esqueleto, e seu rosto não me dizia nada com expressões, percebia o medo material.
Senti rancor e uma dor sem fim no peito, tentava acordar, me agitar de alguma forma, mas era em vão.
Senti uma dor pontuda nas mãos e pude perceber que meus olhos e minhas mãos sangravam, sentia o charco saindo da minha pele.
Minha mãe tentou se aproximar de mim, ela se encontrava ainda no altar, em visível possessão inexplicável, e eu há uns 20 metros de distância. Enquanto foi se aproximando a imagem cessou e um escuro tomou contar dos 360º de visão que poderia ter.
Um grito ensurdecedor soou e pude ver uma cruz negra de frente meus olhos, a cruz tinha a posição inversa e quando fixei os olhos, minha mãe se encontrava pregada de ponta cabeça na cruz, firme apenas por uma estaca que atravessava sua cabeça e a prendia no crucifixo. Meu susto me fez apagar. 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O dia que senti o demônio – Parte 2

Corri pra escada que ficava a esquerda da porta de saída, e ela se encontrava com uma placa que dizia: “Porque correr da peste e da desgraça?”. Assustei-me, e rapidamente subi as escadas tentando não ser coberto por aquele mar de sangue. O cheiro me fazia tremer as pernas e eu mal conseguia lutar contra minha fraqueza espiritual. A sensação era incômoda.
Consegui me arrastar até o segundo andar daquela catedral, e o sangue já tinha tomado conta de todo o chão, formando uns 20 centímetros de altura de puro pecado e injustiças. Eu via além dos meus olhos, como se minha percepção para a realidade tivesse sido alterada. A questão é que aquela suposta fantasia me mudava e me alertava no meu plano normal, de forma que eu nem estava conectado com meu mundo naquele momento. Isso me aterrorizava.
Lá de cima avistei uma canoa que desviava das madeiras quebradas e dos bancos que flutuavam sobre o sangue. Tive medo de fitar aquele ser, mas logo percebi que era minha namorada com uma manta preta. Senti uma dor dentro de mim, e quis ajudá-la. Fiquei olhando para ela, mas sem qualquer movimento senão as mãos remando, ela olhava para frente e o véu cobria quase todo seu rosto. Sentia que o mal queria me enganar, e fui com cautela avistar mais de perto o que realmente acontecia com ela.
-Amor, o que esta acontecendo, esse é meu sonho, e se não for, o que aconteceu?
Ela sorriu, só dava pra avistar sua boca, e remando em minha direção, pude perceber que ela não tinha mais dentes, e os que tinha, caía pelo seu queixo e espirrava o sangue quando em contato com o mar. Logo ela esboçou com um sorriso frouxo e maléfico a impureza daquele lugar.
Senti que o demônio conhecia meus pontos de fraqueza que eu jamais tinha descoberto. Nada precisava se conectar pra me causar tamanho medo e susto.
Tentei expulsar aquelas visões e consegui, mas não me livrara da catedral, eu estava perdido em meio ao pecado, ali todas as formas de impureza poderiam se manifestar.

O dia que senti o demônio – Parte 1

Só me recordo das cruzes, das feridas e de alguns poucos diálogos. O que me assustava era a atmosfera de pecado, de dor e de medo. Eu não precisava ver nada, sentia que descobriria naquela igreja todo o significado de sofrimento. Sofrimento ínfimo. Todo o pecado ambientado, desespero acumulado e obscurantismo material. Sentia medo, mas me eram interessante o que iria descobrir, sabia disso. Talvez esse fosse o pecado da curiosidade, eu não podia esperar pra ver o que tanto temia. E veria...
Não me precipitava a adivinhar nenhuma seqüência de cenas, se é que pode ser chamado assim, visto que não existia sincronismo nas visões, menos ainda nas falas.
Tudo que mais temia era a visão de deus, ou do demônio, e visto que isso me fazia recuar, não me foi possível avistar materialmente, mas senti, e foi a presença de ambos, em uniformidade, e não havia bondade ali. Não havia salvação, nem merecimento, nem julgamento. Eram apenas o mal, e aquela sensação de desespero interno me deixava colérico.
- A anulação de uma vida independe da intensidade em que vive. A morte é a anulação do sofrimento, a vida é a intensificação do mesmo.
Ouvi sentado em uma espécie de confessionário, mas quem se confessava ali, possuía o poder da verdade e do esclarecimento, senti que ouvia o soar do secreto, do obscuro.
Nada avistei senão traços disformes e olhos profundos, mas com pouca visão, entre as frestas de madeira ainda com cheiro de verniz. O cheiro de verniz me assustava naquele momento, me trazia alguma sensação inesperada de que eu estava em outro plano, e que a realidade realmente existia, e que agora, eu sabia que era o sofrimento eterno.
Logo me vi avistando familiares, animais e pessoas que jamais tinha visto. Mas sabia muito a respeito delas, de alguma forma. Falavam-me sobre os sonhos, o mundo e a fé. Aquela proximidade com as pessoas me causou ânsia, e me foquei em outro ponto da igreja, o que  me deixou assustado. Percebi que talvez eu poderia mestrar meus sonhos.
Avistei no altar sangue e beleza, a cena foi ironicamente muito bonita e eu não consegui deixar de olhar, mas em um momento um rio vermelho de sangue veio do altar em direção a mim e todos os pontos daquela imensa catedral. O sangue tinha cheiro de carnificina, e eu podia ouvir gritos e lamentos por cada gota daquele mar vermelho. Sabia que aquilo se derivava de mim, e sabia que o mal sorria diante do meu pecado. Pensei representar a humanidade. Poderia ser. Mas não gostaria de pagar por todo o pecado do homem. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Nunca mais

Quero saber se seria ou se fosse
Que entender ou entreter que não
Mas seria o fato de que talvez
Eu era ou fosse o final que inicia
Os amores que sinto mas que nunca tive.


Foi ? Se já era triste o fim
Com que belezas olhares cego
o martírio que adoça o amargo
Saboroso da boca sem paladar.


Pois belo é a imagem nula
Do beco, do selo, do sexo, do
Ao melhor porém que nao existe
Amar-te ofício que faço infeliz.


E ir-te lindo caminhante estático
beijar a boca do assombro chulo
Apaixonado, por entre nada sou
Querido no meu triste fim.


Nunca mais, não repita, digo
Nunca mais que sofro sorrindo
Sempre que tive ausência
E gritei alto no silencio incapaz
De abalar os pilares inexistentes.


Sofro! E rio da beleza que tinha
E Narciso sorri diante de si
Cambaleante fixo e humilde crença
De que escrevo torto ao além
Pensando ser em não mais tentar
Ser poeta fluente de letras analfabetas.

Eu conto histórias heróicas de polícias heróicas de um contexto nada heróico.

Mãos na parede bandido
És o próprio castigo do vício
O poço da sujeira coletiva
A maçã podre do éden
Já nasceste podre e.... Sujo
Não pertences a esse mundo.

Sorte? Terás tortura e distância
Dos seus entes e de sua gana
E morrerás como um incrédulo
Sem expectativas e sem mistérios
E se por acaso sofres agora
Pois bem, sofrerás no inferno

Família? Utopia da sua vida
És órfão, nasceste empoeirado
Na sujeira do Brasil massificado
Que escoa nos labirintos da fome
E deságua no lixo aparente.
Esse lixo é sua gente.

Pobreza? Desculpa da falha
Tens um olho arrancado agora
E farás vítimas lá fora
E terás sua liberdade fajuta
Que se perde nessa vida imunda
Nos becos do acaso
Dessa justiça suja.

Estás preso e condenado
A morrer pelo sistema judiciário
E não zombe da sua desgraça
Pois seus filhos, sé é que os tem
Sofrerás o preconceito que os mantém
Na esfera da marginalidade
Pois bem, morrerás e.... Amém.

Eu rio, tenho mulher e filhos
Tenho liberdade, dinheiro e vida
Tenho poder e distintivo
Assista!
Sou a lei e a justiça.

Sorria, bem vindo a monotonia
Das grades, dos ratos, dos lixos
Procure seu cantinho
E durma e sonhe e chore
Já não existem sonhos
Pois sairás daqui corrompido
Dentre tantos ciscos e bichos.
Sentes muito pelo fracasso?
Bem, sairás daqui ambientado
E matarás e roubarás e ficarás
Nessa inconstância arrasadora
Pois se volta para seu lar
Não será uma coisa boa
Subirei naquelas alturas
E matarei as pessoas sujas
Pois no sistema em que vivemos
Morte suja é morte nula.

Dois anos de reclusão
Da sociedade que pede em vão
Que proteja seus filhos queridos
Mas os que morrem todos os dias
São os filhos bandidos
E bandidos são.... Como posso dizer
A sujeira da nação.

Acha que tens direito?
És um filho da desgraça
Tens cor de preconceito
Tens cara de bandido
Tens vida de marginal
És uma carcaça abissal.
Se sofres como pobre
És pobre como podre
És podre como gente
És gente, mas não és nada.

Grite! Ninguém lhe ouve agora
Se confias em deus de fato
Não espere a sua glória
Se achas que tens proteção
És a piada infame da desumanização.

Espero que goste da realidade
Pois discorro com certa ansiedade
De agradar as classes maiores
De pessoas que culpam sua raça
Pelos problemas da sociedade
E marginalizam ansiando a marginalidade.

Pra provar minha soberania
Dou-lhe direito de se atrever, e diga
Apenas uma frase maldita
Que de sua boca sai mal soletrado
Nesse linguajar de pobres coitados.


Seu guarda, não sô bandido nem coitado
Eu sou é necessitado
De novas chances e de condições
Mas pra se ter um bom emprego
Ou estuda ou tens sorte
E onde o posso fazer ?
Queria sonhar e crescer
Mas o que me restou foi...
Tenho vergonha de dizer.

E se minha família me pede um pão
Eu imagino a escravidão
Como viver nessa condição ?
Sou pobre, mas sou cidadão.
Se não tenho meus direitos
Eu tomo o seu pão
E se assim ainda lhe sobrar vários
Minhas mãos mais sujas
Suja também a nação.
Tens vergonha de seus irmãos?
Se lê a Bíblia, não vejo razão.
Não tenho credo, tenho medo e tenho um não.
Se acredita em deus, onde está a compaixão?
Tenho vergonha de ti, cidadão.
Sou preto, sou pobre, sou marginal
Sou a desgraça pessoal.
Me vê, e não vê e não crê
O que posso então fazer?

Respondo-te vagabundo
Nasceste num berço imundo
E nele há de morrer.
Não tens razão em nada
Tens que sofrer.
Já foi amontoado nos cantos
Viva como um rato, como um bandido
Pois no meio de cobras, ratos vão desaparecer.
E meu veneno não é químico
Não é letal, não é circunstancial
O meu veneno, preto sujo
O meu veneno são alguns conceitos
Que adquiri com muito nojo
E que se chama preconceito.

A Meretriz e o vigilante

Caminhante em terras proibidas
Seguiam a meretriz e o vigilante
Presos em mundos avessos
Á venda por qualquer preço
Em troca de trocados furados
Cansados de ansiar o desconchavo
Da vida liquidada
E do descanso bichado.

E suas peles teceram feridas
Em morais mornas e mistas
Perdidas em conceitos mundanos
Do mundo cigano em um mundo dinâmico.

Á vigília e a espreita
A meretriz se desnuda
E o que eram simples olhares
A carne há de comer.
E a moral do vigia, a meretriz alcançou
E como se fosse uma onça
De seus pedaços ela se alimentou.

- Quanta fome! Ele pensou
E então criou toda uma escala
Toda uma indigestão interna
Que a meretriz exalou
Em forma de podres palavras
Que de sua boca calou.
E Aquele hálito azedo
O vigia nunca mais espreitou.

Mas a continuidade não se acalma
E a monotonia tudo rompe
Nesse mundo de adjetivos furados
Que se vendem por poucas desonras.
E tudo que se desonra
É a meretriz que alcança
Toda a desconfiança da falha
Da tortura e da ganância.

-Então que se vendam a moral
E a meretriz se dispôs
Mas como nunca o tinha feito
O sistema ela exaltou
E num acesso de fúria
Ela simplesmente gritou:
-Vendo minha carne, mas não vendo meu sabor
E aquele de gosto macio
O sistema se ausentou.
Pois toda a moral que possuía
A meretriz conservou
E nesse ato honesto
Com o sistema contrastou.

Suas roupas aparentes
Nas ruas normalizou
Todo aquele contraste sujo
Que a vigília despertou
E a meretriz se viu contente
Pois como se pensava no quarto
O sistema se despiu
E o que se viu por baixo
Era sujo, ameno, e pouco viril.

Então a vida passava puta
Cidadãos putos, cachorros putos
Política puta.
Pois a putaria abandonou sinônimos dessemelhantes
E a meretriz se viu enxuta
Naquela sociedade fajuta
Que pouco antes, á considerava a própria puta.

Puta, puta, puta.
-É a sociedade desnuda
A meretriz disse pra si.
E então exigiu suas roupas de linho
Vermelhas, brancas, de cetim
De todas as cores e belezas
Pois quando se contrasta com a sociedade
O que se descobre são riquezas
De crenças, credos, fatos e incertezas
Que já cansada de se martirizar
Ela não mais se pôs a espreita.

-Hoje eu quero é desfilar
Ela expressou com toda certeza
E toda a fila de diplomatas
Escondeu-se de tamanha beleza
Mas aquela falsa puta
Expôs sua sobremesa
E não era nem carne, nem sexo, nem o que quer que seja
A sobremesa, cidadãos
Deixe que a puta diga
- A sobremesa era uma incerteza
De que uma cidadã violada
Tinha voz, ou era só mais uma ratoeira
Da podridão dos becos
Que de tanto avistar, teve fome e anseio
Mas o que a foi merecido
Foi simplesmente medo.

Desinteresse

O desinteresse é a maior causa da estagnação individual. É a maior causa da apatia social, e a ausência do crescimento por descobertas. O desinteresse fere não o ego alheio, mas sim o próprio, pois limita o crescimento do eu, do 'eu posso' ou o 'eu não concordo'. o desinteresse se perde em idéias mal concebidas e preconceitos explícitos, pois fere a liberdade de absorção e digestão do 'novo'. O desinteresse oculta as verdades, as questões e as dúvidas, pois sintetiza o desconhecido no 'não me interessa'. O desinteresse, acima de tudo, afasta duas pessoa que se relacionam por compatibilidade, pois esta se resume nos iguais, e quando há desinteresse, não existe iguais, não existe divergência, não existe nada, apenas (um teórico) desinteresse. O desinteresse é nulo pois é interno, nao tem ação, nao tem errado nem certo, é apenas o ignorar. O ignorar por sí é menos desinteressante, pois possui ação, expressão, mesmo que mal concebido. Quero eu ignorar o desinteresse. Isso me interessa.

Araxás

Araxás, porque achas que te abandonei
Pelo beijo de Beija, ou pelo seio que seja
Na montanha dos minérios, a riqueza.
O seio do anseio que semeio
Dentro do meu pobre peito
De simples e humilde mineiro.

Extraindo as riquezas dessa terra
Avistei primeiro o pôr e senti o sol
Que iluminou as façanhas do beijo, do seio, do sexo, de Beija.
Ó, se avisto a montanha sublime, o belo se excita.
A excitação dos Araxás, que acharás, mas que não verás.
Só apenas sentirás... o beijo, o seio, de Beija.
Que seja!

Lourenço Castanho Taques, porque se foi
E levou junto com você... os Araxás
E Inácio Correia Pamplona, porque acabara
Com a vitalidade da idade, da tribo.... os probre Araxás
Quero os Araxás na matriz de Araxá, mas será?

Quem foi que acalmou os ânimos
Do nosso barreiro, da erupção dos minérios
Das riquezas mais belas, que perdemos para a terra
No vulcão dormente, a sensação descrente
De visitar o barreiro dos mineiros.
-E eu posso falar apatita e apatia.

Essa terra tem riquezas, tem minérios
Somos mineiros de minas minadas,
Dominadas e achadas
Buscadas e encontradas, emboscadas.
Somos o desemboco da boca do sexo de Beija.
E que seja o Araxá, a riqueza e a grandeza...
Não insisto na pobreza da nobreza.

Bem, vou buscar os Araxás
E se encontrar, vou me lembrar
Das terras, das belezas, da nobreza
Da sociedade sustentável da antiguidade
Da sabedoria dos rústicos Araxás
Da água, da terra, da boca, do sexo
De Beija.

POLÍCIA

Ciscos que lutam pela lei
De forma manchada, nem sei
Se são manchas vermelhas de classes
Ou classes manchadas de gente, que sente
A dor do preconceito excedente
Da farda ilusória e crente
Na possibilidade de ter e ser sobrevivente
Desse sistema dirigente, ausente
Das mazelas da nossa gente
Que julgam os nossos atos
Pelos caprichos da elite cambembe
Sem ter, sem ser, sem nada. Mas mente
Pra toda a nossa gente
Dizendo que somos guardados, cuidados
Mas veja a falha caótica, -sei
E veja suas restrições torpes -sei
Ei, nós não somos medalhões.
O que nós somos ?
Nós somos é gente.

Amor cotidiano

Demais é a sua cor que ilumina
O corpo e a voz que me fascina
Ao amar-te e a crer-me na idéia
De que és o sonho que sinto
E que sinto você no canto pedindo
Para amar-te mentindo, e pois que fi-lo
Me vejo e sinto que minto.
Demais é o amor que sinto mentindo
Pois, depois que fi-lo, fito seu olhar
Que ilumina a tênue camada distinta
De qualquer amor de amores que minto
Você é o amor que sinto, com afinco.
Me  vejo sobre a pele que sinta
O amor da juventude, e minta
Para as feras do acaso que voem
Em direção da aurora, e dista
Que se foi e que não mais se ponha, pois minta
para a liberdade distinta
Que só depois de te amar
Amo a mim, e a quem sinta.

Se alimente-se

Esperei muito tempo para não me definhar completamente. O processo aconteceu por partes, por membros. Abocanhei toda a minha estabilidade, minhas bases e minhas dependências. Esperava que esse processo de antropofagia não me fosse sustentável, mas foi. Me alimentei-me. Acabei com a fome que sentia de mim mesmo, sofrendo aos poucos, definhando solenemente, aumentando o amor que sentia por mim mesmo. Pensei ser louco, ou egocêntrico, ou prepotente, mas me eram os três. Eu não era nenhum deles, então comi a maior parte deles em mim.
Alimentei-me da forma mais sustentável que consegui. Senti o mal cheiro, o sabor salgado, a textura dura, e aquele tempero de despreparo e ambição me fizeram calar.
As qualidades que imaginava possuir desceram com gosto amargo pela minha garganta, que falha, não conseguiu projetar som algum, em virtude do sabor do ego. Aqueles sabores que me eram agradáveis eram apenas projeções sensoriais das minhas atitudes morais e preceitos Genuínos. Ego nulo. Abstive-me de sentimentos falsos, agreguei conceitos aparentemente fictícios. Eu estava finalmente em processo de digestão.
As primeiras sensações de limpeza começaram como uma sobremesa, os sabores fortes e incômodos viriam com minhas crenças e despreparos. Alienado.
Despi-me imediatamente quando senti o sabor da hipocrisia e da futilidade, o que me consumiam em quantidade, de fora para dentro, pobres importâncias que me eram importantes, relevantes.
Visto por dentro me senti humano, como devemos ser, ou como devemos esconder o que somos, ou como deveríamos mostrar que não somos. Todos fazem um desses. Fiquei bestializado com a nossa virilidade, que se transcreve em ‘consumir o que agrada ao próximo e acreditar na superioridade de gênero’, que gênero? Visto por dentro é nada. Todos muito nada, ou um monte de coisa que consideramos menos que nada no nosso interior. Somos realmente pó. Pó e massa, infelizmente.
Senti-me pesado e enjoado conforme fui me alimentando, ninguém consegue segurar a porcaria dentro de si por muito tempo, principalmente a minha própria porcaria individual, que partilha com todos os mesmos efeitos e as mesmas propostas, um grande vaso de porcaria coletiva chamado de sociedade. A linguagem não tem mesmo uma simbologia lógica, deve ser isso.
Me digeri completamente e finalmente me desvencilhei do meu eu, fui filtrado, esperei que só restassem virtudes coletivas e aparência agradável... mas não foi isso que vi.
Depois de me limpar por dentro e saber o real gosto da minha individualidade, o que me aconteceu foi querer habitar qualquer outra singularidade, mas me valia essa de mesmo sabor.
E que me fossem sugeridos pelo menos cacos de personalidade, cacos de sentimentos verdadeiros. O que me restou foram cacos dos cacos que pensei ser, e que dessa maneira, na absoluta malícia, me tornei os cacos que não descobri que possuía. Sou uma merda completa. Um ego inexistente que persiste na insistente proposta de ser prepotente.

O morro

O homem que alimenta a fera
Se esforça para a criação
De um futuro de ouro
que se sonha por ocasião.
Mas o homem é interrompido
Pois nesse ambiente ambíguo
A fera é o patrão
E o peso dessa fera
É seu prato e seu pão.
...
O homem levanta e grita
Incorformado com essa situação
Mas a força de sua voz
Não arranha o casarão.
E assanha a ira da fera
E arranha e decência do cidadão
Com garras de fome e miséria
O contribuinte se vê, e diz não
Para a utopia esquecida
Que mesmo na luta árdua
Não existe, é invenção.
...
-Onde está o meu espaço ?
Pergunta o cidadão
Nesse Brasil estrangeiro
Que acolheu a nobreza
E amontoou a população
Em cantos, como restos de animais
Sem estudo, saneamente e condição.
Mas o brasileiro é forte
E mesmo sem acesso, sem instrução
Consegue escrever seu nome
E pagar pela miséria da nação.
...
Sem escolha e sem apoio
O homem faz a opção
De viver no mundo por sí
E da forma como consegue
É tratado como vilão
De uma história trágica
Não como as de Shakspeare
E sim como as da escravidão
Que foi dita como abolida
Mas se de fato fosse verdade
A fera não engolia o cidadão.
-E ouçam bastante atentos!
O perigo vem do morro!
E não do casarão.
...
A situação piora
E o homem sem solução
Alimenta e acolhe seus filhos
Num contexto de disfunção
Sem segurança, sem dignidade e sem educação.
Pois ele sonha um futuro
Para a esposa, os filhos e os que virão
Mas o que realmente os aguardam
O homem desconhece a razão.
E sonhando um filho médico
O que temos é descaso, é ilusão
Pois os pobres daquele morro
Se não marginalizados, se marginalizarão.
Então quero que me ouçam atentos!
O perigo vem do morro ?
Ou vem do casarão ?