quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Carência

Ai, eu poderia me afastar de ti
Sorrindo, como se fosse uma idéia feliz
A ausência que sentiria de ti
E pensando em não mais pensar
Acabaria por te amar
E a distância que tanto queria
Só o amor iria atrapalhar.

Ai, eu conseguiria me desvencilhar
Da sua presença e do seu olhar
Mas se não vejo esses seus olhos claros
Que de tanto me iluminar
Fazia-me sonhar que sem você
Jamais poderia novamente acordar.

Ai, e eu desmonto as peças que transformei
Esses cacos, essas feridas, as frases que falei
Foram ditas para o acaso, e me calo
Pois sofro sozinho agora
Enquanto a amargura no meu peito aflora.

Ai, me perdoe pela insistência
É que não acho amigável sua ausência
E sei que não é certo essa dependência
Mas se queria me deixar assim, vago
Que me dissesse que minha presença
Era um mero descaso da sua inocência.  

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O dia que senti o demônio – Parte 3

Vi-me deitado no chão, entre as duas fileiras de bancos que permaneciam vazios. Só existia eu ali, mas o conceito de existir já tinha tomado proporções inacabadas, eu conseguia sentir manifestações de todos os ângulos que meus olhos percorriam.
Estava olhando pra cima, de forma fixa, e a arquitetura do lugar era absurdamente linda. As estátuas pareciam ter vida própria e os olhos delas carregavam uma lucidez que dava pra saber que tudo que eu pensasse naquela atmosfera, seria analisado antes mesmo de qualquer ato. Sentia-me inválido e apavorado. No teto os vidros coloridos me mostravam que acima dali era escuridão plena. Mas não aquela escuridão negra do anoitecer, era um vácuo, eu sentia que era. Pavor.
Levantei-me e pude perceber a música que começava a soar, começando baixo e tocando cada ponto do meu corpo. Tentei focar no som e percebi que eram apenas suspiros e gemidos. Rondei a catedral procurando avistar o que estava acontecendo exatamente. E avistei. Ainda não me recuperei da visão.
A cortina do confessionário se abriu e minha mãe saiu de lá, com os quatro membros no chão, o pescoço erguido de forma absurda e as unhas cravadas no chão fazendo um barulho estridente. Minha reação foi inexplicável, tentei acordar mas meu corpo não me respondia, e minha mãe olhava para mim debochando da minha incapacidade. Ela começou a se debater de forma que seu corpo não tinha mais a forma de um esqueleto, e seu rosto não me dizia nada com expressões, percebia o medo material.
Senti rancor e uma dor sem fim no peito, tentava acordar, me agitar de alguma forma, mas era em vão.
Senti uma dor pontuda nas mãos e pude perceber que meus olhos e minhas mãos sangravam, sentia o charco saindo da minha pele.
Minha mãe tentou se aproximar de mim, ela se encontrava ainda no altar, em visível possessão inexplicável, e eu há uns 20 metros de distância. Enquanto foi se aproximando a imagem cessou e um escuro tomou contar dos 360º de visão que poderia ter.
Um grito ensurdecedor soou e pude ver uma cruz negra de frente meus olhos, a cruz tinha a posição inversa e quando fixei os olhos, minha mãe se encontrava pregada de ponta cabeça na cruz, firme apenas por uma estaca que atravessava sua cabeça e a prendia no crucifixo. Meu susto me fez apagar. 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O dia que senti o demônio – Parte 2

Corri pra escada que ficava a esquerda da porta de saída, e ela se encontrava com uma placa que dizia: “Porque correr da peste e da desgraça?”. Assustei-me, e rapidamente subi as escadas tentando não ser coberto por aquele mar de sangue. O cheiro me fazia tremer as pernas e eu mal conseguia lutar contra minha fraqueza espiritual. A sensação era incômoda.
Consegui me arrastar até o segundo andar daquela catedral, e o sangue já tinha tomado conta de todo o chão, formando uns 20 centímetros de altura de puro pecado e injustiças. Eu via além dos meus olhos, como se minha percepção para a realidade tivesse sido alterada. A questão é que aquela suposta fantasia me mudava e me alertava no meu plano normal, de forma que eu nem estava conectado com meu mundo naquele momento. Isso me aterrorizava.
Lá de cima avistei uma canoa que desviava das madeiras quebradas e dos bancos que flutuavam sobre o sangue. Tive medo de fitar aquele ser, mas logo percebi que era minha namorada com uma manta preta. Senti uma dor dentro de mim, e quis ajudá-la. Fiquei olhando para ela, mas sem qualquer movimento senão as mãos remando, ela olhava para frente e o véu cobria quase todo seu rosto. Sentia que o mal queria me enganar, e fui com cautela avistar mais de perto o que realmente acontecia com ela.
-Amor, o que esta acontecendo, esse é meu sonho, e se não for, o que aconteceu?
Ela sorriu, só dava pra avistar sua boca, e remando em minha direção, pude perceber que ela não tinha mais dentes, e os que tinha, caía pelo seu queixo e espirrava o sangue quando em contato com o mar. Logo ela esboçou com um sorriso frouxo e maléfico a impureza daquele lugar.
Senti que o demônio conhecia meus pontos de fraqueza que eu jamais tinha descoberto. Nada precisava se conectar pra me causar tamanho medo e susto.
Tentei expulsar aquelas visões e consegui, mas não me livrara da catedral, eu estava perdido em meio ao pecado, ali todas as formas de impureza poderiam se manifestar.

O dia que senti o demônio – Parte 1

Só me recordo das cruzes, das feridas e de alguns poucos diálogos. O que me assustava era a atmosfera de pecado, de dor e de medo. Eu não precisava ver nada, sentia que descobriria naquela igreja todo o significado de sofrimento. Sofrimento ínfimo. Todo o pecado ambientado, desespero acumulado e obscurantismo material. Sentia medo, mas me eram interessante o que iria descobrir, sabia disso. Talvez esse fosse o pecado da curiosidade, eu não podia esperar pra ver o que tanto temia. E veria...
Não me precipitava a adivinhar nenhuma seqüência de cenas, se é que pode ser chamado assim, visto que não existia sincronismo nas visões, menos ainda nas falas.
Tudo que mais temia era a visão de deus, ou do demônio, e visto que isso me fazia recuar, não me foi possível avistar materialmente, mas senti, e foi a presença de ambos, em uniformidade, e não havia bondade ali. Não havia salvação, nem merecimento, nem julgamento. Eram apenas o mal, e aquela sensação de desespero interno me deixava colérico.
- A anulação de uma vida independe da intensidade em que vive. A morte é a anulação do sofrimento, a vida é a intensificação do mesmo.
Ouvi sentado em uma espécie de confessionário, mas quem se confessava ali, possuía o poder da verdade e do esclarecimento, senti que ouvia o soar do secreto, do obscuro.
Nada avistei senão traços disformes e olhos profundos, mas com pouca visão, entre as frestas de madeira ainda com cheiro de verniz. O cheiro de verniz me assustava naquele momento, me trazia alguma sensação inesperada de que eu estava em outro plano, e que a realidade realmente existia, e que agora, eu sabia que era o sofrimento eterno.
Logo me vi avistando familiares, animais e pessoas que jamais tinha visto. Mas sabia muito a respeito delas, de alguma forma. Falavam-me sobre os sonhos, o mundo e a fé. Aquela proximidade com as pessoas me causou ânsia, e me foquei em outro ponto da igreja, o que  me deixou assustado. Percebi que talvez eu poderia mestrar meus sonhos.
Avistei no altar sangue e beleza, a cena foi ironicamente muito bonita e eu não consegui deixar de olhar, mas em um momento um rio vermelho de sangue veio do altar em direção a mim e todos os pontos daquela imensa catedral. O sangue tinha cheiro de carnificina, e eu podia ouvir gritos e lamentos por cada gota daquele mar vermelho. Sabia que aquilo se derivava de mim, e sabia que o mal sorria diante do meu pecado. Pensei representar a humanidade. Poderia ser. Mas não gostaria de pagar por todo o pecado do homem. 

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Nunca mais

Quero saber se seria ou se fosse
Que entender ou entreter que não
Mas seria o fato de que talvez
Eu era ou fosse o final que inicia
Os amores que sinto mas que nunca tive.


Foi ? Se já era triste o fim
Com que belezas olhares cego
o martírio que adoça o amargo
Saboroso da boca sem paladar.


Pois belo é a imagem nula
Do beco, do selo, do sexo, do
Ao melhor porém que nao existe
Amar-te ofício que faço infeliz.


E ir-te lindo caminhante estático
beijar a boca do assombro chulo
Apaixonado, por entre nada sou
Querido no meu triste fim.


Nunca mais, não repita, digo
Nunca mais que sofro sorrindo
Sempre que tive ausência
E gritei alto no silencio incapaz
De abalar os pilares inexistentes.


Sofro! E rio da beleza que tinha
E Narciso sorri diante de si
Cambaleante fixo e humilde crença
De que escrevo torto ao além
Pensando ser em não mais tentar
Ser poeta fluente de letras analfabetas.

Eu conto histórias heróicas de polícias heróicas de um contexto nada heróico.

Mãos na parede bandido
És o próprio castigo do vício
O poço da sujeira coletiva
A maçã podre do éden
Já nasceste podre e.... Sujo
Não pertences a esse mundo.

Sorte? Terás tortura e distância
Dos seus entes e de sua gana
E morrerás como um incrédulo
Sem expectativas e sem mistérios
E se por acaso sofres agora
Pois bem, sofrerás no inferno

Família? Utopia da sua vida
És órfão, nasceste empoeirado
Na sujeira do Brasil massificado
Que escoa nos labirintos da fome
E deságua no lixo aparente.
Esse lixo é sua gente.

Pobreza? Desculpa da falha
Tens um olho arrancado agora
E farás vítimas lá fora
E terás sua liberdade fajuta
Que se perde nessa vida imunda
Nos becos do acaso
Dessa justiça suja.

Estás preso e condenado
A morrer pelo sistema judiciário
E não zombe da sua desgraça
Pois seus filhos, sé é que os tem
Sofrerás o preconceito que os mantém
Na esfera da marginalidade
Pois bem, morrerás e.... Amém.

Eu rio, tenho mulher e filhos
Tenho liberdade, dinheiro e vida
Tenho poder e distintivo
Assista!
Sou a lei e a justiça.

Sorria, bem vindo a monotonia
Das grades, dos ratos, dos lixos
Procure seu cantinho
E durma e sonhe e chore
Já não existem sonhos
Pois sairás daqui corrompido
Dentre tantos ciscos e bichos.
Sentes muito pelo fracasso?
Bem, sairás daqui ambientado
E matarás e roubarás e ficarás
Nessa inconstância arrasadora
Pois se volta para seu lar
Não será uma coisa boa
Subirei naquelas alturas
E matarei as pessoas sujas
Pois no sistema em que vivemos
Morte suja é morte nula.

Dois anos de reclusão
Da sociedade que pede em vão
Que proteja seus filhos queridos
Mas os que morrem todos os dias
São os filhos bandidos
E bandidos são.... Como posso dizer
A sujeira da nação.

Acha que tens direito?
És um filho da desgraça
Tens cor de preconceito
Tens cara de bandido
Tens vida de marginal
És uma carcaça abissal.
Se sofres como pobre
És pobre como podre
És podre como gente
És gente, mas não és nada.

Grite! Ninguém lhe ouve agora
Se confias em deus de fato
Não espere a sua glória
Se achas que tens proteção
És a piada infame da desumanização.

Espero que goste da realidade
Pois discorro com certa ansiedade
De agradar as classes maiores
De pessoas que culpam sua raça
Pelos problemas da sociedade
E marginalizam ansiando a marginalidade.

Pra provar minha soberania
Dou-lhe direito de se atrever, e diga
Apenas uma frase maldita
Que de sua boca sai mal soletrado
Nesse linguajar de pobres coitados.


Seu guarda, não sô bandido nem coitado
Eu sou é necessitado
De novas chances e de condições
Mas pra se ter um bom emprego
Ou estuda ou tens sorte
E onde o posso fazer ?
Queria sonhar e crescer
Mas o que me restou foi...
Tenho vergonha de dizer.

E se minha família me pede um pão
Eu imagino a escravidão
Como viver nessa condição ?
Sou pobre, mas sou cidadão.
Se não tenho meus direitos
Eu tomo o seu pão
E se assim ainda lhe sobrar vários
Minhas mãos mais sujas
Suja também a nação.
Tens vergonha de seus irmãos?
Se lê a Bíblia, não vejo razão.
Não tenho credo, tenho medo e tenho um não.
Se acredita em deus, onde está a compaixão?
Tenho vergonha de ti, cidadão.
Sou preto, sou pobre, sou marginal
Sou a desgraça pessoal.
Me vê, e não vê e não crê
O que posso então fazer?

Respondo-te vagabundo
Nasceste num berço imundo
E nele há de morrer.
Não tens razão em nada
Tens que sofrer.
Já foi amontoado nos cantos
Viva como um rato, como um bandido
Pois no meio de cobras, ratos vão desaparecer.
E meu veneno não é químico
Não é letal, não é circunstancial
O meu veneno, preto sujo
O meu veneno são alguns conceitos
Que adquiri com muito nojo
E que se chama preconceito.

A Meretriz e o vigilante

Caminhante em terras proibidas
Seguiam a meretriz e o vigilante
Presos em mundos avessos
Á venda por qualquer preço
Em troca de trocados furados
Cansados de ansiar o desconchavo
Da vida liquidada
E do descanso bichado.

E suas peles teceram feridas
Em morais mornas e mistas
Perdidas em conceitos mundanos
Do mundo cigano em um mundo dinâmico.

Á vigília e a espreita
A meretriz se desnuda
E o que eram simples olhares
A carne há de comer.
E a moral do vigia, a meretriz alcançou
E como se fosse uma onça
De seus pedaços ela se alimentou.

- Quanta fome! Ele pensou
E então criou toda uma escala
Toda uma indigestão interna
Que a meretriz exalou
Em forma de podres palavras
Que de sua boca calou.
E Aquele hálito azedo
O vigia nunca mais espreitou.

Mas a continuidade não se acalma
E a monotonia tudo rompe
Nesse mundo de adjetivos furados
Que se vendem por poucas desonras.
E tudo que se desonra
É a meretriz que alcança
Toda a desconfiança da falha
Da tortura e da ganância.

-Então que se vendam a moral
E a meretriz se dispôs
Mas como nunca o tinha feito
O sistema ela exaltou
E num acesso de fúria
Ela simplesmente gritou:
-Vendo minha carne, mas não vendo meu sabor
E aquele de gosto macio
O sistema se ausentou.
Pois toda a moral que possuía
A meretriz conservou
E nesse ato honesto
Com o sistema contrastou.

Suas roupas aparentes
Nas ruas normalizou
Todo aquele contraste sujo
Que a vigília despertou
E a meretriz se viu contente
Pois como se pensava no quarto
O sistema se despiu
E o que se viu por baixo
Era sujo, ameno, e pouco viril.

Então a vida passava puta
Cidadãos putos, cachorros putos
Política puta.
Pois a putaria abandonou sinônimos dessemelhantes
E a meretriz se viu enxuta
Naquela sociedade fajuta
Que pouco antes, á considerava a própria puta.

Puta, puta, puta.
-É a sociedade desnuda
A meretriz disse pra si.
E então exigiu suas roupas de linho
Vermelhas, brancas, de cetim
De todas as cores e belezas
Pois quando se contrasta com a sociedade
O que se descobre são riquezas
De crenças, credos, fatos e incertezas
Que já cansada de se martirizar
Ela não mais se pôs a espreita.

-Hoje eu quero é desfilar
Ela expressou com toda certeza
E toda a fila de diplomatas
Escondeu-se de tamanha beleza
Mas aquela falsa puta
Expôs sua sobremesa
E não era nem carne, nem sexo, nem o que quer que seja
A sobremesa, cidadãos
Deixe que a puta diga
- A sobremesa era uma incerteza
De que uma cidadã violada
Tinha voz, ou era só mais uma ratoeira
Da podridão dos becos
Que de tanto avistar, teve fome e anseio
Mas o que a foi merecido
Foi simplesmente medo.