terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O dia que senti o demônio – Parte 1

Só me recordo das cruzes, das feridas e de alguns poucos diálogos. O que me assustava era a atmosfera de pecado, de dor e de medo. Eu não precisava ver nada, sentia que descobriria naquela igreja todo o significado de sofrimento. Sofrimento ínfimo. Todo o pecado ambientado, desespero acumulado e obscurantismo material. Sentia medo, mas me eram interessante o que iria descobrir, sabia disso. Talvez esse fosse o pecado da curiosidade, eu não podia esperar pra ver o que tanto temia. E veria...
Não me precipitava a adivinhar nenhuma seqüência de cenas, se é que pode ser chamado assim, visto que não existia sincronismo nas visões, menos ainda nas falas.
Tudo que mais temia era a visão de deus, ou do demônio, e visto que isso me fazia recuar, não me foi possível avistar materialmente, mas senti, e foi a presença de ambos, em uniformidade, e não havia bondade ali. Não havia salvação, nem merecimento, nem julgamento. Eram apenas o mal, e aquela sensação de desespero interno me deixava colérico.
- A anulação de uma vida independe da intensidade em que vive. A morte é a anulação do sofrimento, a vida é a intensificação do mesmo.
Ouvi sentado em uma espécie de confessionário, mas quem se confessava ali, possuía o poder da verdade e do esclarecimento, senti que ouvia o soar do secreto, do obscuro.
Nada avistei senão traços disformes e olhos profundos, mas com pouca visão, entre as frestas de madeira ainda com cheiro de verniz. O cheiro de verniz me assustava naquele momento, me trazia alguma sensação inesperada de que eu estava em outro plano, e que a realidade realmente existia, e que agora, eu sabia que era o sofrimento eterno.
Logo me vi avistando familiares, animais e pessoas que jamais tinha visto. Mas sabia muito a respeito delas, de alguma forma. Falavam-me sobre os sonhos, o mundo e a fé. Aquela proximidade com as pessoas me causou ânsia, e me foquei em outro ponto da igreja, o que  me deixou assustado. Percebi que talvez eu poderia mestrar meus sonhos.
Avistei no altar sangue e beleza, a cena foi ironicamente muito bonita e eu não consegui deixar de olhar, mas em um momento um rio vermelho de sangue veio do altar em direção a mim e todos os pontos daquela imensa catedral. O sangue tinha cheiro de carnificina, e eu podia ouvir gritos e lamentos por cada gota daquele mar vermelho. Sabia que aquilo se derivava de mim, e sabia que o mal sorria diante do meu pecado. Pensei representar a humanidade. Poderia ser. Mas não gostaria de pagar por todo o pecado do homem. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário